Delta Tejo: dia morno

Coube a Susana Félix a sempre difícil tarefa de inaugurar o palco principal neste sábado, que viria a ser pouco concorrido. Com a luz solar ainda bem presente, o concerto decorreu sem grande entusiasmo, fosse pelo pouco público ou pelo alinhamento previsível. Susana Félix chegou mesmo a soltar um «Que seca!» já na recta final do concerto, que fechou com um medley de 'Hey Jude' e o tema genérico da série infantil 'Rua Sésamo'.

O recinto fustigado pelo vento convidava a visitar a tenda que abrigava o palco secundário e onde actuava Nancy Vieira. Durante cerca de uma hora, Nancy Vieira e a sua banda usaram com mestria a palete de ritmos quentes de Cabo Verde. Ora cantando as típicas mornas, ora usando dos ritmos mais dançáveis e exóticos de África, os mais destemidos foram arriscando passos de dança. Nancy Vieira mostrou que o crioulo é um dialecto acolhedor e o público agradeceu por isso.

Entre os dois palcos as filas para a roda gigante ou para a montanha russa eram o pretexto ideal para os mais jovens tirarem mais uma fotografia para a posteridade, enquanto Ana Moura levava mais uma vez Portugal ao palco. Não levou muito tempo a aquecer o Alto da Ajuda. 'Não É Um Fado Normal' disse boa noite a quem se juntava para ver a fadista. Em ritmo de festa e alegria, Ana Moura mostrou que o fado também cabe em festivais: mais festa e alegria, menos tristeza e lamento.

À mesma hora, no palco Santa Casa, Os Mutantes mostravam porque são quase uma lenda viva. Nome fundador do movimento Tropicália, reencarnaram em 2006 pela mão de Sérgio Dias. Sem Zélia Duncan, os Mutantes ainda têm força para levar o público numa viagem pelo tempo. A sua boa forma não deixa de espantar (Sérgio Dias exímio na guitarra), mas entre hinos como 'Baby' ou temas novos como 'Querida, querida' percebemos que o seu rock progressivo regado de bossa-nova faz tanto sentido em 2010 como em 1970. Um pedaço de história eléctrico, contagiante e bem-disposto, que fica mesmo como o ponto alto da noite.

Já no palco Delta, Ana Carolina trazia mais Brasil ao festival. Dona de uma voz grave e singular, Ana Carolina mostrou estar à vontade quer de guitarra em punho, quer solta pelo palco. Precisou de pouco para arrebatar um público que estava ali para ela: ouviam-se coros certinhos, sem falhar uma palavra. Entre uma MPB não declarada e pop-rock atravessada de samba,ora íntimo, ora de pandeireta no ar a marcar o ritmo, sobressaíram temas como 'Cabide' ou 'É isso Aí'. Ana Carolina deixou o palco com a noite ganha.

Após o concerto de Ana Carolina e quando se pensava que haveria enchente, houve debandada. Nneka (na foto) até já esgotou o Coliseu de Lisboa, mas desta vez o recinto ficou despido e com demasiadas clareiras para o concerto da nigeriana, que vai beber a mestres tão díspares como Fela Kuti ou Bob Marley. Ainda assim, nada impediu que o seu hip-hop salpicado de reggae fizesse vários dos presentes sorrirem. Embora não falte energia positiva a temas como 'V.I.P.' ou 'Heartbeat', o mau som tirou muita emoção à música de Nneka. Fica a vontade de a rever em tom intimista, onde a sua voz possa soltar-se e a sua excelente banda possa dar largas ao seu potencial e criatividade.

António Matos Silva

Fonte:cotonete.clix

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