O Abre a rodinha

Os saraus na casa do compositor Antonio Villeroy são cada vez mais disputados por gente interessada em fazer e ouvir músicaAcontece em média uma vez por mês. A lista de habitués é longa: o escritor Francisco Bosco, a cantora Ana Carolina, o escritor e compositor Jorge Mautner, a novata Maria Gadú, o casal Maria Paula e João Suplicy, o virtuose Yamandu Costa, a poetisa Elisa Lucinda, entre outros artistas principalmente músicos de várias vertentes, como Paulinho Moska, Bebeto Alves, João Nabuco, Bena Lobo, Mombaça. Todo mundo que circula por ali escreve, canta, toca.Os saraus do cantor e compositor gaúcho Antonio Villeroy são coisa fina.O amplo apartamento fica no Alto Leblon. Das varandas, o Rio lá embaixo, deslumbrante, iluminado, lembrando que a cidade já teve essa tradição musical de portas abertas, gente talentosa reunida, como nos bons tempos da bossa nova, quando Nara Leão, Tom Jobim e Vinicius recebiam sua turma.Uma vez chegou aqui o Caetano.Disse: Vim de penetra na sua festa. Respondi: Penetre à vontade brinca Villeroy, imitando o sotaque malemolente do baiano. Gosto de casa aberta. Mas agora estou tendo que deixar uma lista na portaria. Tem noite em que há mais de cem pessoas. Outro dia desci para comprar bebida, tipo 3h da manhã, e estava uma fila na rua.Na noite de sábado dia 25 chegamos cedo, tipo dez da noite, à casa de Villeroy ou Totonho, como é chamado pelos convivas. Na sala, além do piano, dos microfones e dos instrumentos já montados, a família: a matriarca, Heloiza Villeroy; os três filhos dela, Totonho, Carlos Eduardo e Gastão, que toca com Milton Nascimento; mais noras e netos. Até então, parecia tratar-se de uma reunião social comportada, para músicos sérios mostrarem seus trabalhos. Sotaque carregado e índole de anfitrião, Totonho logo esclareceu que sarau é uma tradição que ele trouxe lá de São Gabriel, cidadela dos pampas gaúchos. O pai, o advogado Gil Villeroy, curtia receber os cantores locais para milongas. Ainda bem pequeno, lembro de acordar de manhã e ver tudo montado: bateria, violões, microfones. Com 13, 14 anos, eu e meus irmãos começamos a tocar e também a fazer saraus. A nossa turma se misturou à do nosso pai diz. Desde que me mudei para o Rio, em 2000, faço reuniões. Novos amigos foram se agregando. E sempre surge gente de surpresa. Outro dia foi a Bebel Gilberto.

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Depois da meia-noite, o apartamento assumiu outro tom. Ou tons. Com os músicos se revezando na rodinha e a cerveja rolando , a temperatura subiu. Em cada cômodo da casa uma história, um ritmo, uma toada. Tímida como ela só, Maria Gadú, que lançou seu primeiro disco no Vivo Rio, na semana passada, enfurnou se num quarto, escoltada pelo amigo Toni Ferreira, um garoto de 24 anos, visual andrógino e timbre cara também de Cazuza. Entre um gole e outro, uma baforada e outra no cigarro, Gadú contou que começou a cantar na noite paulistana aos 13 anos e que desde que chegou ao Rio para passar o último réveillon, nunca mais conseguiu ir embora. Eu e o meu amigo primeiro ficamos na casa de outro amigo. Como a gente estava sem grana, ele falou vai ficando e a gente foi ficando. Um dia o Rafael Almeida, que é ator, me apresentou para o Jayme Monjardim, falou que eu cantava Ne me quitte pas. Ele estava fazendo a minissérie Maysa, casou diz. Na apresentação da minissérie para a imprensa, fiz um showzinho e um cara da Som Livre me chamou para gravar o disco. Foi indo, foi indo e aí, quando vi, estava morando aqui. Agora a minha mãe se injuriou com São Paulo e veio para cá também.Enquanto Gadú conta sua história, Maria Paula se joga no sofá e seu marido, João, Suplicy puxa um Chico Buarque no violão. Em seguida, impulsionado por João Nabuco, que ficou absolutamente admirado com a semelhança, Toni Ferreira, o acompanhante da cantora paulistana, emenda um Cazuza. Acreditem: reencarnação.Na sala, Yamandu, Totonho e seus irmãos, Gastão e Carlos Eduardo, arrasam com a levada sulista.Coisa para aplaudir de pé. Yamandu resumiu muito bem o sarau do conterrâneo. Segundo ele, trata-se de um zoológico musical. O Totonho junta gente de várias vertentes, que nunca se bicam: músicos eruditos, músicos que já estouraram, músicos que querem estourar, figuras mais pops, gente jovem precisando de acesso diz. É muito difícil fazer isso, misturar tantas tendências. Esse tipo de coisa estava fazendo muita falta no cenário musical.É básico para a formação de amizades e parcerias.Os encontros, de fato, acontecem por ali. Em uma ocasião, a cantora e compositora italiana Chiara Civello apareceu, recomendada por Mauro Refosco, da banda de Bebel Gilberto. Curtiu tanto que virou parceira musical de Totonho e também de Ana Carolina. Outro que se apaixonou pela cena foi Jesse Harris, músico americano que emplacou hits na voz de Norah Jones. Depois de uma noite de sarau, ele e Totonho compuseram juntos e agora o disco de Harris vai sair pelo selo do amigo brasileiro, o Pic Music. Gadú já confirmou presença no próximo DVD de Ana Carolina. As costuras rolam, regadas a cerveja, vinho, vodca e brigadeiros. Acho que sou um dos mais assíduos frequentadores. Aqui fiz parcerias com o João Suplicy, com a Ana Carolina, com o Totonho Villeroy. O sarau é uma forma de compartilhar, de interagir, de encontrar os virtuoses, numa onda free define Mombaça, um dos principais parceiros de Mart’nália.Hoje já existe um circuito de gente que faz saraus em casa. Eu tenho composições com o Totonho. O João Suplicy musicou um poema meu, que ouviu aqui.São noites maravilhosas, com pessoas maravilhosas. Na última, terminamos eu, Paulinho Moska, Hamir Haddad, Selma Reis, Tunai e Totonho, todo mundo até de manhã conta Elisa Lucinda.

Fonte: O Globo

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