Após o excesso do CD duplo 'Dois quartos', Ana Carolina acerta o foco e sofistica sua receita no disco 'Nove'


RIO - Fiz a quitinete que você pediu - provoca Ana Carolina ao receber o repórter em sua mansão no Jardim Botânico para uma audição de "Nove" ("N9ve" na arte do CD) ao lado de muitos dos envolvidos na criação do novo álbum, entre músicos, compositores parceiros, produtores, arranjadores, técnicos, equipe de produção, da gravadora Sony e ainda amigos próximos.Agora, com repertório enxuto, apenas nove e redondas faixas, a brincadeira mostra que a cantora, compositora e violonista não se esqueceu da critica a seu disco de estúdio anterior, "Dois quartos", lançado em dezembro de 2006, um CD duplo com 24 faixas, que pecou exatamente pelo excesso.- Pela manhã, Ana me ligou, furiosa com a resenha publicada no Segundo Caderno. Mas, no fim daquele mesmo dia, ela me chamou de volta dizendo que o teor do texto fazia algum sentido - conta sua empresária, Marilene Gondin.Quase três anos depois, é evidente que o tempo fez bem a Ana Carolina e à sua música. "Nove" (que a Sony bota nas lojas esta semana, com tiragem inicial de... 99.999 cópias, e mais algumas referências ao seu número de sorte, ela que nasceu, em Juiz de Fora, num dia 9 de setembro, em 1974) é seu melhor e mais ousado trabalho. Além do rigor na peneira do seu repertório e da voz potente calibrada na dosagem adequada, Ana se cercou das pessoas certas. A produção musical ficou entre a dupla Mário Caldato e Kassin (em seis canções) e Alê Siqueira (nas três restantes); para as bases instrumentais estão cobras como Renato Massa (bateria), Alberto Continentino (baixo), Donatinho (teclados) e João Parahyba (percussão); os arranjos se alternaram nas mãos de Arthur Verocai, Lincoln Olivetti, Felipe Pinaud e Sean O' Hagan; e em três faixas Ana faz duetos: com o astro da música soul contemporânea John Legend (em "Entreolhares"), a contrabaixista e cantora de jazz americana Esperanza Spalding (na balada "Traição", que também conta com o piano de Daniel Jobim) e sua mais nova parceira, a italiana Chiara Civello (em "Resta", uma das quatro que elas assinam juntas no CD, esta também com participação na letra de Dulce Quental). "Nove" convence o crítico-repórter, mas será que a cantora e compositora que mais vendeu discos e tocou no rádio na última década, desde seu début, em 1999, vai conseguir repetir o sucesso? Pergunta que a própria se faz em certo momento da noite regada a bons vinhos, na casa que mais parece um jardim suspenso, com suas estruturas de aço e muito vidro - projeto do arquiteto Índio da Costa -, incrustada na encosta do Corcovado e abençoada pela deslumbrante vista da Lagoa e das encostas do Rio. A resposta virá aos poucos, de um combalido mercado musical, que em nada parece com o da época de sua estreia. Mas os ingredientes básicos de Ana Carolina continuam presentes: a voz poderosa e canções, do pop ao samba, com letras confessionais que, em alguns momentos, falam sem pudores de mulher para mulher. Entre essas, "8 estórias", que ganhou toques de tango no arranjo e lista oito "ex": "Giovanna me liga ainda / Laura nem pode me ver / Pra Cláudia eu dançava sozinha / Até que na pista conheci a Sophia / Com Luna só disse mentiras / Pra Juana mentia em espanhol / Pra Carmem inventei tanta estória...".- Chiara, minha parceira nessa canção, também vai gravá-la, mas na versão para o italiano ela está mudando o gênero dos personagens, que viram Giovanni, Lauro, Cláudio... - conta Ana, que foi apresentada à cantora italiana por Daniel Jobim num dos informais saraus dos Compositores Unidos, que reúne mensalmente gente do meio musical carioca.Ela não mudou na essência, mas, saudavelmente, procurou tanto novas referências quanto velhas influências. No segundo caso, a parceria com Gilberto Gil, que letrou o ótimo samba "Torpedo", de Ana e Mombaça.- Trabalhamos muito tempo nesse samba e enviamos, cheios de dedos, para Gil, que o devolveu com a letra pronta e perfeita em apenas dois dias - diz ela, que tem mais sambas na gaveta, mas vê um excesso de cantoras no gênero. - Não gosto de rótulos, de ficar parada numa estante. E é muito bom viver no Brasil por agregarmos a música do mundo todo e podermos criar algo novo a partir dessa grande mistura.Um exemplo disso é "Entreolhares", canção para a qual o parceiro Antônio Villeroy achou que cabia bem uma letra em inglês, daí o convite para John Legend Stephens, que assina a versão e participa do dueto. O resultado remete ao período, nos anos 1970, em que a música soul flertou com o samba e a bossa nova, em trabalhos de gente como Stevie Wonder e Leon Ware (em suas parcerias com Marcos Valle).

Fonte: O Globo Online

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